Naciones Unidas

Raúl Prebisch e os desafios do desenvolvimento no século XXI

Desenvolvimento e meio ambiente

Raúl Prebisch incorporou a temática ambiental ao seu pensamento a partir da sua descrição das estruturas do capitalismo periférico e da relação centro–periferia. São as suas dinâmicas de acumulação de capital e de distribuição de renda dessas estruturas que geram os problemas relativos ao meio ambiente. A constatação de que o modelo socioeconômico dos “centros” implica a depredação dos recursos naturais e a degradação do meio ambiente, entre outras coisas, reforça a sua convicção da necessidade de um modelo alternativo de desenvolvimento, de uma busca autônoma de um caminho próprio para a América Latina e Caribe.

O seu artigo “Biosfera e desenvolvimento” (Revista da CEPAL, dezembro de 1980) chamava a atenção para as consequências que o modelo econômico então vigente tinha sobre o desenvolvimento sustentável no contexto da segunda crise do petróleo (1979). Prebisch abordou as razões subjacentes à irracionalidade na exploração desse recurso energético e as graves consequências que o modelo de desenvolvimento tinha sobre a biosfera após uma década em que surgiram novas problemáticas. Do ponto de vista ambiental, se conta com o impacto do relatório do Clube de Roma “Os limites do crescimento” (1972), que adverte para a capacidade de carga do planeta e para a escassez de recursos naturais no futuro. Do ponto de vista econômico, a década foi marcada pelo aumento do preço do petróleo, do qual o modelo de industrialização dependia fortemente, o que provocou um forte efeito inflacionário e uma redução da atividade econômica nos países afetados, sobretudo nos “centros”.

O padrão de produção

Um fator explicativo diz respeito aos incentivos à pesquisa tecnológica que desencadearam uma mudança tecnológica que obteve aumentos incessantes da produtividade, porém desviou a inovação para o uso intensivo de energia suja, de produtos derivados dos hidrocarbonetos e de recursos naturais. Os baixos preços da energia no passado e a ignorância (e falta de internalização) das externalidades ambientais geraram, assim, uma dependência da trajetória (path dependency) produtiva insustentável do ponto de vista ambiental.  

Por sua vez, as diferenças estruturais, que explicam as características que diferenciam as exportações da região e as dos países desenvolvidos, são destacadas não apenas para recordar a dependência da América Latina e Caribe dos seus recursos naturais, mas também para chamar a atenção para a dificuldade que a periferia encontra, em relação ao centro, na hora de transferir o aumento dos custos internos provocado pelas medidas de defesa do meio ambiente. Essa dialética associada às características da inserção da região nas cadeias de valor internacionais e à diferente divisão de responsabilidades pelas externalidades ambientais entre diferentes produtores (os que podem “exportar” custos maiores e os que não) e entre estes e os consumidores em função das elasticidades, se mantém até os dias de hoje.

O padrão de consumo

Prebisch também fez duras críticas à dinâmica da sociedade de consumo. Quando os benefícios do progresso técnico conseguem incorporar novos estratos sociais à demanda, o modelo consumista do centro e a “soberania do consumidor” como princípio norteador relegam a um segundo plano os valores humanos essenciais (equidade social, cultura, vida coletiva, preocupação com a biosfera, etc.). A periferia imita esse modelo em detrimento de um desenvolvimento social e ambiental sustentável. 

Essa crítica ao capitalismo imitativo, encontrada no documento “Cambio estructural para la igualdad” (Mudança estrutural para a igualdade) (CEPAL, 2012), se fundamenta também na ideia de que o desenvolvimento de uma sociedade de consumo privilegiada é incompatível com a integração social das grandes massas excluídas de forma persistente das vantagens do desenvolvimento — preocupação central da publicação “A hora da igualdade” (CEPAL, 2010) —, e com a correção de outras falhas do sistema, como as ambientais.  

Em suma, no seu artigo visionário, Prebisch estabelece alguns conceitos que foram ganhando mais visibilidade com o passar dos anos e que fundamentam os elementos centrais do conceito de desenvolvimento sustentável, formalizado anos depois no Relatório Brundtland (1987). Nas décadas seguintes, a reflexão sobre os estilos de desenvolvimento e a evolução dos padrões de produção e consumo assumiu uma posição central tanto no pensamento da CEPAL, como nas grandes cúpulas de desenvolvimento, desde a Cúpula da Terra (1992) até a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Embora os desafios apresentados por Prebisch persistam, muitos deles tratados de forma insuficiente, e o engano de um modelo de desenvolvimento que não leva em conta os seus efeitos sobre a biosfera e que não assume os seus reais custos continuará a agravar os problemas existentes e reduzirá as próprias opções do sistema para reproduzir-se.

Entrevistas

HORIZONTES CEPAL – Capítulo 5: Entrevista a Joseluis Samaniego (2017 - 29:13)

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